domingo, 27 de abril de 2025

Mais em conta

 

Na recepção da loja/pousada, me informam: a água no mercadinho é mais em conta. Quede esse oásis que vende "mais em conta" nesta ilha onde tudo custa os olhos e os rins do cidadão? A resposta: o senhor entra naquela ruazinha, aquela ali onde o microônibus tá parado, e mais na frente vira à direita, o mercado fica na esquina.

Memorizadas as coordenadas e engolido a seco o "senhor", pergunto se é pra deixar a chave na recepção (deviam padronizar isso no país: nunca deixar ou deixar sempre). O camarada que até então acompanhava a conversa, me encara por cima dos óculos tortos: leva, mas não vá perder hein.

Olho as personagens atrás do balcão. De senhor sedento a menino estabanado numa fração de minuto. Começamos bem, penso, esperando os buggies passarem pra atravessar a rua.

Passo pelo tal microônibus, um posto da Marinha. Na fachada, em azul marinho, Capitania dos Portos de Pernambuco. Há mais coisas escritas, mas me chama atenção mesmo é a placa na cerca: PROPRIEDADE DA UNiÃO ENTRADA PROIBIDA. Não sei direito se nessa ordem: o sol às vezes não só racha como confude minha cabeça.
O portão aberto é um convite; a placa, porém, um imperativo. Como se eu - e certamente a maioria dos turistas -  quisesse botar os pés neste lugar. É o que vai pela minha cachola cansada e ainda não adaptada à mudança de fuso horário quando, súbito, uma galinha preta entra correndo no jardim que pertence à União. Pensando bem, ainda é uma franga. Uma franga cambeta e esquálida que desconhece certos limites.

Mais uns passos, vejo água, muita água, jorrando pela caixa da União. Como a vida do turista é injusta: eu aqui, na maior secura, e a água vazando, não só pelo ladrão,  mas também pela tampa da União. A franga atrevida parece captar o que vai em meu pensamento, ensaia um voo, vem desgraciosa e desengonçada pro meu lado. Ah, vá caçar sua turma, coisa feia!

Desço a calçada, mais uns passos. Duas outras frangas, tão esquálidas e cambetas, com uma ninhada de pintinhos pretíssimos ciscando ao redor. Se já têm filhotes, ainda são frangas? Uma caminhonete quase dá ré em cima de mim: estou no que parece ser o estacionamento do tal mercadinho.
Entro: coxinhas e pastéis a treze reais, um pacotinho de fandangos a onze. Só Jesus na causa, resmunga a dona ao meu lado, nitidamente turista como eu. Paro diante dos freezers: água mineral sem gás por oito. Deve ser o "Mais em conta" da personagem lá da pousada/loja. E levando em conta que ouvi da vizinha de quarto que "a garrafinha de quinhentos ml foi dez conto", estou no lucro com essa aí, de um litro e meio.

Recebo o troco. Quede a sacola, quase pergunto ao atendente, mas aí lembrei: aqui não utilizam sacola plástica. Então lá vou eu, fazer o caminho de volta, passar pelas penosas esquálidas e cambetas, os pintinhos pretíssimos, a propriedade da União, o microônibus, agora com uma garrafa em cada mão, rezando pra não ser atropelado, de frente ou de ré, por uma caminhonete. 



Outro encontro

  Novamente sentado nesta cadeira desconfortável. Ah, se essa gente soubesse como odeio agências bancárias, filas e cadeiras desconfortáve...