quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Há flores por todos os lados

     Em meio ao pandemônio de brigas, injúrias e calúnias, divisões, futilidades e imbecilidades que as redes sociais cospem sobre nossos olhos todos os dias, às vezes acontece de aportar em meu feed gentis e edificantes palavras. Hoje, ao acordar - e antes de ver o sol, veja a que ponto cheguei! - liguei o celular. Deparei com um comentário reflexivo em meu perfil do Instagram. As redes, às vezes, acalentam. E aproximam. 

    O comentário veio de um professor que há décadas não vejo pessoalmente. Não, não é exagero ou força de expressão. Faz vinte anos que não o encontro na vida real... Um mestre no ensino da Redação que, certamente, me ajudou a cultivar as palavras nos canteiros da literatura. Ele comentou em minha foto: "as flores são a assinatura de Deus na natureza para que todos saibam quem é o criador." Comentou que ouviu tal reflexão. E, o mais importante: a compartilhou. Somente os mestres passam adiante o que aprenderam. Fica o registro. 

   À essa altura, eu sei, o impaciente leitor quer saber o motivo do comentário. Revelarei, para não exasperar ainda mais seus olhos. Olhos que as redes doutrinam, a cada dia, para ficarem mais inquietos e apressados. Acontece comigo. Certamente, acontece com você. Assista "O dilema das redes" na Netflix e depois me diga... Mas, voltando à minha revelação. O motivo do comentário na postagem: gosto de compartilhar fotos de flores. 

    Onde vou, por onde passo, fotografo as flores. Em parte, deve ser carência. Pois onde moro - ou me escondo, dependendo do ponto de vista - as flores não abundam. Nem mesmo na primavera. Aliás, raras também são as árvores. Infelizmente. Somos um povo que ainda não entendeu que flores, árvores e natureza são manifestações do Divino. Ou, como disse o caro professor, Suas assinaturas. Sonho com o dia em que nossos governantes - e nosso povo, porque o governo é o reflexo do povo - tratem sua visão míope e possam, enfim, respeitar  o meio ambiente. Por conseguinte, o planeta. 

    Utopia? Sonho? Devaneio? Não sei dizer. Apenas gostaria de encontrar ruas e estradas, serras e vales, ladeiras e praças mais coloridos com as assinaturas de Deus. E, como os Titãs fazem naquela canção, gritar ao mundo que "há flores por todos os lados". 

    Enquanto o sonho não desce do mundo das Ideias (como teorizou Platão), fiquemos com um poema sobre a flor do maracujá. Que ainda não tive o prazer de fotografar. Mas que, eu sei, anda por aí a embelezar outros canteiros. 


A mais bela das flores 


Elegi-te, oh flor do maracujá, 

a mais bela das flores. 

Conheço-te, porém, apenas

por imagens postadas no Google. 


Elegi-te, oh flor do maracujá, 

a mais bela das flores. 

E ainda não pude sorver teu néctar

sequer levar-te aos lábios, 

já sedentos por ti. 


Elegi-te, oh flor do maracujá, 

a mais bela das flores. 

Vens sempre travessa nos sonhos

exalando sedução, exigindo de mim

impudores improváveis entre as flores. 


Reconheço-te única e, por isso, 

elegi-te, oh flor do maracujá, 

a mais bela das flores. 


Disponível em https://www.recantodasletras.com.br/autores/raphaelcerqueirasilva



                                 Avenida Dr. Lelé, um respiro de vida (por enquanto) em VRB

                                                                        


Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: outubro de 2010, do acervo do autor  

domingo, 25 de outubro de 2020

Das lembranças que trago na vida

Sábado: dia de faxina. Tirar o pó da semana. E esperar o próximo pó – ah, esse eterno enxugar gelo – enquanto a semana corre burocrática.

Sábado: para abraçar e agradecer a semana que se finda.

Sábado: dia de (re)encontrar o passado. Pois em cada gaveta do armário, em cada cantinho da estante, uma recordação. O moletom comprado na Hering na última visita a Petrópolis enquanto músicas natalinas e sacolas brancas brincavam, lá fora, na chuvinha fria. O livro que, a cada dia, sucumbe ao amarelado do tempo, comprado na Nobel (tempos universitários, quando cada centavo juntado ajudava a comprar um romance ou xerocar capítulos para estudar). O velho álbum de fotos: lembranças dos bolos confeitados pelas habilidosas mãos de Dona Leonor Silveira. O Popeye no glacê branco, a ponte de chocolate cortando as serras de rocambole e o riacho de gelatina da vila Smurf, o arco-íris multicor tingindo de fantasia o Picapau Amarelo. Ainda trago na boca o gosto daqueles bolos... Nas fotos, carinhas ansiosas rodeiam o bolo, à espera do tradicional parabéns. Tanta gente que o tempo levou para longe, para além da vida...

Impossível não lembrar os papéis e embrulhos sob a cama (“joga debaixo da cama para ganhar mais”, me ensinaram). Sobre a colcha estampada, brinquedos – às vezes, repetidos – a esnobar pares de meias, cuequinhas e camisetas. Porque criança gosta - e quer! - ganhar brinquedo, a verdade seja dita.

Sábado: de faxinar embalado em canções. Porque não se faz faxina sem som. Música boa, das antigas, para compor a sessão nostalgia. O som do sábado é variado: do Rei ao sertanejo, sem vergonha de ser popular. Toca de tudo aqui no quarto, desde que seja antigo: para relembrar os tempos do Clube do Bolinha, do Qual é a música, das rádios AM que tocavam o que o povo gostava de ouvir.

Sábado: de chuva fina e primaveril lá fora e saudades cá dentro.

P.S.: curiosos para saber o que toca na playlist da faxina? Segue a lista das dez mais:

1) Outra vez – Roberto Carlos

2) Hoje é domingo – Roberto Carlos (que ouço sábado, segunda, terça, sempre)

3) Nuvem de Lágrimas – Chitãozinho e Xororó

4) Preciso ser amado – Zezé Di Camargo e Luciano

5) O Amor e o Poder – Rosana

6) Aguenta Coração – José Augusto

7) Coming Around Again – Carly Simon

8) Coração do Agreste – Fafá de Belém

9) Doce Mistério – Leandro e Leonardo

10) I Should Have Know Better – Jim Diamond





Texto de Raphael Cerqueira Silva

Foto do acervo do autor 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Na solidão de Macondo

    Na postagem anterior, prometi falar sobre Macondo. Aliás, deixe-me trocar o verbo. Em tempos eleitorais é, no mínimo, perigoso conjugar o verbo prometer. Vai que um desavisado espalha que estou a prometer coisas e, portanto, me toma como candidato a algo... Reformulando, pois, a primeira oração: Na postagem anterior, comentei que escreveria sobre Macondo. Dito isso, passemos à fictícia e fantástica cidade de Garcia Márquez. Porque de eleição quero distância... estou fugindo até de eleição de condomínio. Querem um síndico? Chamem o Tim Maia.  

    Semana passada concluí a leitura de Cem Anos de Solidão. Conclui-se a leitura, mas os ecos que essa leitura produz em nosso interior não cessam. Às vezes, duram anos. Não sou bom resenhista, logo, não vou desperdiçar verbos e adjetivos a falar sobre Macondo e os fabulosos acontecimentos que rondam a família Buendía. Curiosos, leiam Garcia Márquez. Certamente ganharão mais ao lê-lo que em ler minhas fracas palavras. 

    Conheci o escritor colombiano através de Sete Contos Peregrinos, livro de contos que devorei em um dezembro quente, há quase cinco anos. Comece por eles, depois visite Macondo. Creia, não voltará o mesmo dessas viagens. 

    Como eu disse, não sou bom resenhista. Mas tenho cá pretensões poéticas. E, às vezes, me arrisco a escrever versos. Os ecos na mente me levaram a escrever um poema sobre Macondo. Convido-o a lê-lo logo abaixo ou no https://www.recantodasletras.com.br/autores/raphaelcerqueirasilva  


Na solidão de Macondo

chorei. 

Chorei choros noturnos e diários,

carente de sentimentos. 

Em Macondo, chorei

solitário

sob céus borboleteados. 

Nas ermas ruas 

de Macondo,

sobre lágrimas e suores,

quedei. 

Na solidão de Macondo

sem querer

chorei por ti. 


                                                            

domingo, 18 de outubro de 2020

O novo (velho) normal

    Difícil competir com a realidade. Dura - extravagante - realidade.  

  Na semana que lobos guarás foram achados em nádegas senatoriais, que nova onda virótica atormenta as Zoropa e que o Brasil parou para ouvir o rap do André, aqui nesta singela urbe tudo vai indo dentro do novo - velho - normal. Bares lotados, filas em lotéricas e bancos, ruas apinhadas, galera concentrada na avenida feito bloco de carnaval (falta só o Bel Marques ou a Veveta em cima do trio). As máscaras continuam nos queixos e nas mãos a proteger covinhas e dedos suados. Como dar tratos à bola e bolar um conto, um simples conto, que possa transportar o leitor para além da realidade. Pergunta que, talvez, nem o Oráculo de Delfos responderia.  

    Assim, sem ideias mirabolantes e vencido pelas extravagâncias do novo tempo, vamos de leitura. Entre moletons e cobertores, agradecendo aos deuses pelo friozinho primaveril que baixou nestas plagas, vamos de leitura. Para não surtar. 

   Aportou aqui, trazida pelas caixas super-rápidas da Amazon, o volume 1 de Vinland Saga. Um mangá narrando a saga - e os saques - vikings no século XI. Interessante que os vikings têm, todos, as carinhas de Dragon Ball e Naruto... Mas é leitura que prende. Parece que o herói Thorfinn, que luta para vingar a morte do pai, vai me entreter.  

  A transportadora da Amazon, que mais parece uma Enterprise numa viagem de dobra (pedido feito no sábado, aterrissou aqui na sexta), trouxe também "Mordidas por dentro". Que, no entanto, não me seduziu. O livro de Bruno Lima Penido define-se como poema em prosa. Uma sucessão de textos curtos falando sobre amor, tempo, angústias e outras emoções que, ainda, não me cativaram. Penido trabalhou com Walcyr Carrasco na TV Globo. Então, entende de sentimentos humanos, pois a essência da dramaturgia é o humano. Vou insistir... afinal, o friozinho pede leituras leves. E, perdoem-me o trocadilho, o livro publicado pela Instante é leve, muito leve. Suas 102 páginas ajudam a descansar as mãos depois da pesada - outro trocadilho infame, eu sei - leitura de Cem Anos de Solidão. 

    "Quando a chuva passar e o tempo abrir", comentarei sobre Macondo. Enquanto isso, aqui na urbe, segue o novo (velho) normal. 



                                            Visconde do Rio Branco, MG (foto do autor) 

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Início do blog

Visconde do Rio Branco, Minas Gerais. Passam das 22 horas do dia 16 de outubro de 2020. Sextou para muitos. Para tantos, como eu, é só mais uma sexta-feira. 

A garoa e o friozinho indicam meados de estação. 

Dou a partida neste blog com o poema "Há um ano", que escrevi faz algum tempo (também disponível no www.recantodasletras.com.br) :


Há um ano 

animálias embevecidas com sangue 

rugiram e zurraram verdades. 


Há um ano 

abissal fosso se formou 

regurgitando cacofonias verdes-olivas. 


Há um ano 

submergiram a ética e o crível 

e, ante tanta vacância, 


oníricos patriotas assaltaram 

praças, campos, vielas.  


Há um ano 

as paredes, amedrontadas, 

anseiam desfechos de folhetim. 



Há um ano 

em nome de Deus-Pai

as areias da orla emudeceram


as redes não mais aconchegam

e, exaustos, os coqueiros

não pensam na Liberdade. 


Há um ano 

o poeta sutura versos e sonhos 

esperando a ferida cicatrizar. 


 

 Praça dos Três Poderes, Brasília, DF, foto do autor 


Madonna in Rio

            A Rainha do pop está entre nós. Ou melhor, em terras brasilis, desfrutando a brisa que assanha os cabelos das meninas e o corp...