domingo, 12 de maio de 2024

Outra vez no cinema

         Viu nas redes sociais que está em cartaz o novo longa dos Caça-Fantasmas. Nessas horas servem pra alguma coisa útil, essas redes... Pensando assim, tratou de pedir a conta no restaurante. Como estava de bobeira à tarde, resolveu conferir o filme.

Pessoas passavam apressadas com sacolas e pacotes, adolescentes uniformizados zoavam uns aos outros, carros buzinavam no engarrafamento. À sombra, ele aguardava o Uber, pensando que, em tempos não tão distantes, bastava atravessar a Rio Branco para encontrar um cineminha. Ali mesmo, na esquina da Halfeld com a Batista, assistiu a bons filmes: O Discurso do Rei, Star Trek: Além da Escuridão, Os Senhores da Guerra, e tantos títulos que não se lembra mais. Sempre no meio da tarde, tendo por companhia a Coca e as pipocas... Ah, só quem escapou da vida ordinária no meio de uma tarde e se refugiou nos braços de uma poltrona de uma sala quase vazia conhece bem o que é felicidade. Mas, hoje em dia os cinemas de rua desapareceram, sucumbiram ao império dos shopping centers.

 Saudoso daquelas tardes, tornou a olhar o celular: motorista a caminho. Claro que bater perna no shopping no meio da tarde tem lá seus encantos. A juventude zanza entusiasmada pelas escadas rolantes; as lojas estão às moscas; compra-se o sorvete, o lanche, o ingresso sem precisar enfrentar fila. Mesmo assim, os cinemas à beira da calçada com seus cartazes e letreiros a disputar a atenção dos transeuntes são insubstituíveis, pensou, deixando a brisa outonal levar outro suspiro.   

***

No balcão, a atendente responde com enfado ao seu boa-tarde: não pode deixar, um instante sequer, de checar as novidades no smartphone. “Perder meu precioso tempo emitindo um ticket? Ah, este sujeito bem que podia me poupar desse esforço, né? Instalaram o terminal de autoatendimento ali, perto da porta, pra quê?”

Ele percebeu os pensamentos chispando dos olhos castanhos de Olímpia. Como sabe seu nome? Ora, nosso personagem, além de saudosista, é muito observador. E observando, leu o crachá pendurado em seu pescoço por uma cordinha de náilon vermelho.     

Olímpia não sabe, mas ele é daqueles que prefere o tête-à-tête. Afinal, de encontros assim pode surgir inspiração para um personagem ou, quiçá, o amor pode voltar a brotar em seu peito empedernido.

“Escolhe a poltrona”, ela ordena, a mão agarrando o mouse, o olhar naufragado no monitor.

Forçando a vista, ele aponta a M111. Enquanto aguarda a emissão do ticket, acompanha os longos dedos de Olímpia a agredir o teclado, as unhas recém pintadas de carmim, a pulseira de prata relando o MDF do balcão, a pequenina cicatriz no punho direito.

“Até que é bonitinha, essa menina”, conclui, enlevado. Ela   larga o ticket e o indefectível “obrigado e bom filme” no balcão.  

“Nunca entendi por que essa gente deseja ‘bom filme’, assim como os bilheteiros de teatro desejam ‘bom espetáculo’. Quem pode fazer do filme ou da peça um evento bom, espetacular ou uma bosta é o diretor, o elenco, não o espectador”, ele vai pensando, sem muita convicção, a caminho do banheiro.

***

No canto, um garoto mija rindo para o celular em sua mão.

— Há que ponto chega o vício dessa geração, ele resmunga.

O garoto passa por ele, os olhos ainda grudados na tela. “É, as coisas mudaram mesmo: no meu tempo, a molecada não saía de um banheiro sem antes se olhar no espelho, ajeitar o cabelo...” Seus pensamentos, contudo, são interrompidos por um grupo de adolescentes que acaba de entrar. O de moletom faz trocadilhos de cunho sexual, os outros riem se dispersando pelos mictórios. O de boné cospe o chiclete na louça, solta um “caralho, mais um pouco e eu mijava na calça.” As gargalhadas ecoam com mais força entre os azulejos.

Diante do espelho, ele alisa o que restou dos cabelos, saudoso da adolescência, de quando saía em turma pela tarde afora caçando um cineminha a preço camarada.

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Para satisfazer a curiosidade do cinéfilo leitor, Ghost Busters: Apocalipse de Gelo cumpre o que promete. Entretém com toques de nostalgia, trazendo personagens e atores da franquia dos anos 1980; a fotografia é clara, à moda antiga, bem ao contrário das produções atuais que estão cada vez mais soturnas. Comparado também com os novos filmes, é um roteiro curto: 114 minutos. Embora o excesso de personagens comprometa sua dinâmica, o enredo desenvolve bem a estória. Enfim, diverte. Se o cronista fosse igual ao bonequinho d’O Globo aplaudiria, contudo, sentado.  




Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor 

sábado, 4 de maio de 2024

Madonna in Rio

 

 

        A Rainha do pop está entre nós. Ou melhor, em terras brasilis, desfrutando a brisa que assanha os cabelos das meninas e o corpo dos rapazes que circulam e mergulham e se bronzeiam em Copacabana.

        Ai de ti Copacabana, não serás mais a mesma depois da passagem de Madonna.

        Assim como não deve ter sido a mesma depois que por ali passei, fotografando cada ladrilho do calçadão, cada folha de coqueiro, cada prédio, cada bandeira a tremular sobre a areia. Inclusive, a bandeira nacional, fincada no topo do Copacabana Palace, onde a diva americana está hospedada.

        Uma colega de ofício, que não é diva nem rainha, muito pelo contrário, disse certa vez: “Um dia, vou me hospedar lá”. Suspendi a redação do alvará, perguntei “lá em Copacabana?”. Ela tomou como ironia, franziu o cenho, retrucou: “Claro que não. No Copacabana Palace. Você vai ver as fotos, porque vou fazer questã de postar”. Tempos depois, vi: fotos pavorosamente mal feitas, dela e do marido, ambos forçando um sorriso na beira da piscina do hotel. Na repartição, o povo quis saber: será que o casamento dura o tempo das parcelas do cartão? À boca pequena, se comentou que, além de ter gasto os tubos com a festa do casório, ela pagou o dobro e mais um pouco para se hospedar por uma noite apenas no Copa... Eu, discípulo de São Tomé, até hoje não pus fé naquelas fotos.

        Voltando à pop star: sei quase nada sobre sua carreira. Da discografia, ainda menos. Mas, como fui criado com o rádio ligado o dia inteiro na cozinha, trago na memória algumas de suas canções. La Isla Bonita, Like a Prayer, Papa Don’t Preach e Crazy for You rolaram bastante pelas ondas da Cultura. Hoje, quando as ouço, brotam saudades que não sei bem explicar. Talvez, saudade da infância que se perdeu nas brumas do tempo, da época em que minha única preocupação é se não faltaria luz para assistir à novela... Na suíte presidencial do Copa, será que a Rainha também se entrega a pensamentos nostálgicos?

        O noticiário, que cobre a passagem de Madonna desde que seu jatinho aterrou no Galeão no começo da semana, divulgou: durante o show, telões enormes projetarão imagens de personalidades brasileiras. Acredito que lá estará também Ayrton Senna: nesta semana, completam-se trinta anos do desastre que ceifou sua vida. E a pergunta que muitos fizeram na tevê, num esforço tolo de memória, é: o que você fazia naquele domingo quando o carro do piloto colidiu com a barreira de concreto em Ímola? Eu, que nunca fui chegado à fórmula 1 (aliás, a qualquer esporte), assistia desenho noutro canal, ou jogava videogame. O que me lembro mesmo é que a televisão só falou da tragédia no resto daquele dia, e no seguinte e nos seguintes. Na escola, na manhã de segunda, só se falava nisso; teve até gente chorando durante a aula de Português. Cena semelhante veria anos depois, quando do acidente com a Princesa Diana. Eu não entendia aquelas lágrimas. E, sem entender, tentava vencer mais uma fase no meu videogame.  

        Ali, nos arredores onde Madonna está hospedada, há uma estátua do Senna. Bom turista, também tirei foto lá. Como dizia aquela mulher da novela: cada mergulho é um flash... E como sob o sol escaldante de Copacabana não é necessário flash para registrar boas fotos, o turista se esbalda. Há aqueles que vão para torrar na areia, os que preferem observar os minúsculos biquinis perdidos nas curvas bronzeadas, os que bebem como se não houvesse amanhã... e os que fotografam. Ah, é há aqueles que gastam todas as economias se hospedando em hotéis badalados, como a colega lá da repartição. Que, como bem acertaram as previsões, não manteve o casamento tempo suficiente para quitar as parcelas do cartão.



Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor 

Outra vez no cinema

            Viu nas redes sociais que está em cartaz o novo longa dos Caça-Fantasmas. Nessas horas servem pra alguma coisa útil, essas redes...