domingo, 15 de junho de 2025

Mais um dia no paraíso

 

       

Venho pelo oitão da pousada. Aprendi com o Velho Braga que, além de uma bonita palavra, oitão quer dizer ‘do lado’. E, segundo o cronista, é muito usada no Recife. Como estou em terras pernambucanas, uso-a. Mas, como ia dizendo, vinha eu pelo oitão quando uma senhorinha de enormes óculos escuros comenta no celular:

— Imagina, querida, que ele falou, na maior grosseria, que não vai chamar o táxi pra nós? Sujeitinho rude, esse dono da pousada.

    Passo pela senhorinha, que agora resmunga e escreve com o indicador no smartphone. Passo também pela Adonídia carregadinha de frutos, por uma cadeira de madeira que vive o inverno de seus praianos dias.

Entro na recepção.

      O dono da pousada no computador, a mesma cara de desmantelo do check-in. Hoje, no entanto, não desperdiçarei cumprimentos. Já calejado, largo a chave no balcão.

            — Ó, o senhor faz favor de levar ela.

            Olho a pequena recepção, que faz às vezes de lojinha. Camisetas e cangas, canecas e chaveiros, ímãs de geladeira e chapéus esperam alguma palavra, uma pergunta talvez. Comento apenas que gostaria de deixar a chave do quarto.

      O sujeitinho franze as sobrancelhas e, riscando o bloco à sua frente com uma Bic quebrada, retruca:

— O hóspede fica com ela até o dia de ir embora.

Ora, essa é boa. Como se eu quisesse levar esse lindo e exótico souvenir pra casa...

       Passo a mão na chave, enfio-a no bolso da bermuda.

            — Num vai perder ela, hein?

O excessivo emprego do pronome pessoal me irrita demasiadamente, deixo a porta arreganhada.

     — Mas assim num tem ar-condicionado que dê conta.

   Penso num palavrão. Mas a juventude que desfila na calçada, shorts e bonés coloridos, músculos e tatoos me diz que não compensa desperdiçar um mísero palavrão com esse camarada.

Os rapazes param diante dos buggies. O cara com jeitão de Caio Castro entra na loja.

Agora são duas senhorinhas que vêm, lenta e domingueiramente, pelo oitão. Perguntam para a que está sentada se já providenciou o táxi. Ela repete a história num tom entre o revoltado e o indignado.

Observo uma rolinha, que me observa da guarita malcuidada do ponto de ônibus. Não, não é rolinha, é uma pomba-de-bando, informa a proprietária da pousada, que vem com garrafas d’água sob os braços. Ela deixa um bom-dia sorridente, entra na recepção. Fico imaginando como os opostos, realmente, se atraem: o marido, um tosco; ela, uma lady que, desde minha chegada, se desmancha em zelos e agrados. 

Olho novamente a rua. A pomba-de-bando se mandou, foi caçar companhia mais agradável. Os rapazes fecharam a locação do buggy. O Caio Castro salta ao volante, os outros se dividem: o descamisado a seu lado, cooler e ecobags entre as pernas tatuadas, os outros dois atrás. O motor ronca, ruge, cospe fumaça azulada.

A senhorinha de enormes óculos indaga se vou ao Porto. Largo meus pensamentos quase indecentes na grama esturricada, respondo que sim.

— Quer dividir táxi com a gente?

As outras duas se aproximam, rostos e ombros besuntados de protetor solar. Concordo: toda economia é bem-vinda, ainda mais num lugar carésimo desses.

— Ah, que bom. Então pode chamar o carro que a gente vai esperar ali na sombrinha.

E dizendo isso, o trio caminha para o oitão, onde o sol matutino ainda não marcou presença.

Ora, essa é boa, penso. E como aqui no paraíso a Uber ainda não espalhou seus carros, o negócio é dar uma googlada para descobrir o telefone de um táxi.



          Texto: Raphael Cerqueira Silva

Foto: acervo do autor

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