Venho pelo oitão da pousada. Aprendi com o
Velho Braga que, além de uma bonita palavra, oitão quer dizer ‘do lado’. E,
segundo o cronista, é muito usada no Recife. Como estou em terras
pernambucanas, uso-a. Mas, como ia dizendo, vinha eu pelo oitão quando uma
senhorinha de enormes óculos escuros comenta no celular:
— Imagina, querida, que ele falou, na maior
grosseria, que não vai chamar o táxi pra nós? Sujeitinho rude, esse dono da
pousada.
Passo
pela senhorinha, que agora resmunga e escreve com o indicador no smartphone. Passo também
pela Adonídia carregadinha de frutos, por uma cadeira de madeira que vive o
inverno de seus praianos dias.
Entro na recepção.
O
dono da pousada no computador, a mesma cara de desmantelo do check-in.
Hoje, no entanto, não desperdiçarei cumprimentos. Já calejado, largo a chave no
balcão.
—
Ó, o senhor faz favor de levar ela.
Olho
a pequena recepção, que faz às vezes de lojinha. Camisetas e cangas, canecas e chaveiros,
ímãs de geladeira e chapéus esperam alguma palavra, uma pergunta talvez. Comento
apenas que gostaria de deixar a chave do quarto.
O
sujeitinho franze as sobrancelhas e, riscando o bloco à sua frente com uma Bic
quebrada, retruca:
— O hóspede fica com ela até o dia de ir
embora.
Ora, essa é boa. Como se eu quisesse levar
esse lindo e exótico souvenir pra casa...
Passo
a mão na chave, enfio-a no bolso da bermuda.
—
Num vai perder ela, hein?
O excessivo emprego do pronome pessoal me irrita
demasiadamente, deixo a porta arreganhada.
— Mas assim num tem ar-condicionado que dê conta.
Penso
num palavrão. Mas a juventude que desfila na calçada, shorts e bonés coloridos,
músculos e tatoos me diz que não compensa desperdiçar um mísero palavrão com
esse camarada.
Os rapazes param diante dos buggies. O cara com
jeitão de Caio Castro entra na loja.
Agora são duas senhorinhas que vêm, lenta e
domingueiramente, pelo oitão. Perguntam para a que está sentada se já providenciou
o táxi. Ela repete a história num tom entre o revoltado e o indignado.
Observo uma rolinha, que me observa da guarita
malcuidada do ponto de ônibus. Não, não é rolinha, é uma pomba-de-bando,
informa a proprietária da pousada, que vem com garrafas d’água sob os braços. Ela
deixa um bom-dia sorridente, entra na recepção. Fico imaginando como os
opostos, realmente, se atraem: o marido, um tosco; ela, uma lady que,
desde minha chegada, se desmancha em zelos e agrados.
Olho novamente a rua. A pomba-de-bando se
mandou, foi caçar companhia mais agradável. Os rapazes fecharam a locação do
buggy. O Caio Castro salta ao volante, os outros se dividem: o descamisado a
seu lado, cooler e ecobags entre as pernas tatuadas, os outros dois atrás. O
motor ronca, ruge, cospe fumaça azulada.
A senhorinha de enormes óculos indaga se vou
ao Porto. Largo meus pensamentos quase indecentes na grama esturricada, respondo
que sim.
— Quer dividir táxi com a gente?
As outras duas se aproximam, rostos e ombros
besuntados de protetor solar. Concordo: toda economia é bem-vinda, ainda mais
num lugar carésimo desses.
— Ah, que bom. Então pode chamar o carro que a
gente vai esperar ali na sombrinha.
E dizendo isso, o trio caminha para o oitão,
onde o sol matutino ainda não marcou presença.
Ora, essa é boa, penso. E como aqui no paraíso
a Uber ainda não espalhou seus carros, o negócio é dar uma googlada para
descobrir o telefone de um táxi.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
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