domingo, 21 de fevereiro de 2021

Meu carnaval

     Caminhando no fim da tarde esbarro em um velho conhecido. Com o smartphone nas mãos me diz que está a fotografar pássaros. Penso cá com meus botões: que diacho de pássaros ele fotografa nessa cidade. Aqui, quando o assunto são as aves, temos em abundância pardais e pombos; uns canarinhos dourados costumam avoar por estas terras, mas isso é tão raro que a gente até se esquece deles... Como cada juiz com sua sentença, cada doido com sua mania e cada fotógrafo com seu ângulo, nada comentei. 

    O camarada, então, me perguntou o que fiz no carnaval. O mesmo de todos os anos, respondi e imediatamente me veio à lembrança o ratinho Cérebro que todos os dias prometia a mesma coisa: planos para conquistar o mundo. E os dias se sucediam, monótonos, no laboratório... Com a ambição mais comedida, me contentei em ver televisão e ler. 

    Sem a barulhada dos festejos de Momo pude assistir "Em algum lugar do passado", belo filme que estará em cartaz na Netflix até 05 de março. Com Christopher Reeve no papel de protagonista, o drama de 1980 é encantador. Sem contar que pude matar as saudades do eterno Super-homem e, via de consequência, (re)pensar a finitude da vida. 

    Assisti também Doutor Castor, documentário em quatro episódios que o Globoplay está apresentando sobre a vida do bicheiro Castor de Andrade. O Rio de Janeiro - e o Brasil - dos anos 1980/1990 era um escracho. Se se pensar direitinho conclui-se que pouca coisa mudou. Talvez ficamos mais hipócritas. Jogo do bicho, futebol e carnaval se imbricam numa cumplicidade que choca e, ao mesmo tempo, mostra o quão corrupto é o estado e a elite brasileiros. 

    Também dentro do Globoplay, comecei a assistir a O Bem Amado (1973). Escrita por Dias Gomes, a novela foi a primeira produção a cores no gênero do país e é incrível como continua atual. Odorico Paraguaçu é a cara desse Brasil brasileiro onde mitos e bicheiros, políticos e a escória desfilam em céu aberto como destaques carnavalescos ao som das batidas de um lamentável samba enredo. 

    Acerca das leituras, retornei ao clássico Monteiro Lobato. Reli Viagem ao Céu, Historias diversas e estou concluindo Histórias de Tia Nastácia. No centenário da criação do Sítio do Picapau Amarelo, e quando muitos andam por cá propondo revisões absurdas e até o cancelamento da obra do escritor, é preciso (re)ler o pai de Emília. 

    Mergulhei também na poética de Mário Quintana e Oswald de Andrade, embora os versos deste não tenham me agradado. Saio das leituras encantado com a leveza e a simplicidade de Quintana. Viajei nos gibis (Tex, Novos Titãs, O Fantasma). Estou lendo, bem vagarosamente, o Spleen de Paris, e me dando ao desfrute de mergulhar no lirismo de Baudelaire. Entre um verso e um quadrinho, comecei a lei O Império dos Gibis, uma "biografia" da Editora Abril com destaque para a produção dos seus gibis. 

    Enfim, com tantas coisas para ocupar-me os olhos, não me sobrou tempo para fotografar passarinhos... 

    Mas, à essa altura, meu camarada já não me ouvia. Embrenhado no terreno baldio, estava paradinho feito um urutau à espera de novos ângulos. 





Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor 




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