A crônica de hoje será curta. Prometo. E promessa, para mim, é dívida. O leitor pode crer no que digo: não sou como os políticos que elegemos. Por que a crônica será curta, indaga-me a curiosa leitora. Não é por preguiça, não. Um pecado ao qual não me rendo é este, creia-me. Também não será curta por falta de assunto: quem me conhece sabe que, se falta assunto, eu invento. Inventar é comigo mesmo, acho que noutra encarnação fui como aqueles inventores malucos de desenho animado... A crônica hoje será curta em homenagem ao tempo que “voa/escorre pelas mãos”. Texto curto, muito curto, curtíssimo; que não rouba o tempo do leitor.
Escrevo ainda embriagado com as palavras de Herta Müller. Caiu em minhas mãos “Depressões”. Este livro de contos é meu primeiro contato com a escritora e tem me consumido prazerosamente o tempo. Mais não digo porque, primeiramente, a crônica será curta e, segundamente, ainda não terminei o livro. Em futuro texto talvez eu teça outros comentários.
Da chaminé do restaurante sai uma fumacinha marota. O estômago ronca, sinto trêmulas as mãos. A fome me ronda. Na cozinha, pratos, talheres, panelas e tampas ainda ensaiam para o concerto. A que horas sai o almoço, perguntam do corredor. Minhas mãos bailam no teclado, a mente volta no tempo... recordo Seu Boneco: que hora é a merenda? Parece até que ouço sua risadinha debochada ao pé do meu ouvido... O tempo passa, me sinto velho e encurvado como o Professor Raimundo... O tempo, diz a lição, é um constante vapt vupt.
Acho que há festa aqui por perto: ouço um falatório, a execução do hino nacional, música alta e chata. Bem, tudo tem sido chato nos últimos tempos... menos as palavras da menina do livro, e minhas lembranças. Ah, as lembranças insistem em brotar: deve ser efeito das chuvas que banham este outubro.
A crônica se propõe curta, e o será. Chegamos a quinze linhas, em fonte Arial. Conto linha por linha, tal como fazia na escola quando precisava escrever o diário. Noutro dia me disseram: meça suas palavras. Imediatamente me lembrei dos tempos de escola: eu media cada palavra, cada ponto, cada vírgula para compor o relato do dia e cumprir, assim, a obrigação de preencher as vintes e poucas linhas. Para mais detalhes desse tempo que não volta mais, sugiro a leitura de minha crônica “Meu querido diário”. Título sem criatividade, eu sei, mas o texto foi feito de coração. Eita que agora a frase saiu piegas, quase uma canção brega.
Melhor parar por aqui. Consumi vinte linhas, acho que cumpri a promessa. Nas próximas eleições, não vote em mim, democrático leitor. Promessa cumprida, me despeço e vou.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
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