Novamente
sentado nesta cadeira desconfortável. Ah, se essa gente soubesse como odeio agências
bancárias, filas e cadeiras desconfortáveis, sobretudo, como odeio aguardar
atendimento. Nessas horas, penso: eu poderia estar dormindo, assistindo
televisão, poderia estar trepando ou falando do alheio... Nossa, eu poderia
estar fazendo tanta coisa, útil ou inútil, pra este achincalhado país! Contudo
e infelizmente, estou sentado aqui.
A leitora, eu vi, franziu a testa; encucada,
talvez, com o advérbio que introduziu a crônica. Explico-me: mais cedo estive
sentado nesta mesma cadeira, aguardando atendimento. Depois de muito esperar obtive,
finalmente, o termo de cancelamento de registro de alienação fiduciária em
garantia. Documento de nome pomposo, repleto de juridiquês e nove horas, que
muito juro e correção me custou ao longo dos anos. Recebi-o num envelope pardo
e, feito um bobo alegre, me dirigi ao cartório de registro de imóveis. Onde,
após esperar mais um bocadinho, obtive a informação: precisa reconhecer a firma
do gerente.
Então, lá fui eu atrás de um tabelionato
de notas. Dizem, tabelionato de notas é tipo a Drogasil: sempre tem uma pertinho
de você. De fato, topei com um na esquina. Vazio. Oh felicidade, não precisei
retirar senha e enfrentar fila! A notária olhou, releu o documento, me informou
que, pra identificar a assinatura e portanto reconhecer a danada da firma,
precisava do carimbo do gerente. Pelo que entendi, sem este símbolo da
burocracia ocidental não se averba nada.
Voltei ao burburinho da rua, às
sombras de julho. E cá estou: pernas e braços cruzados, emburrado, aguardando o
gerente carimbar as duas vias do tal termo.
O
guardinha, azia nas pupilas, me encara. Ignoro-o, atento à porta giratória: um flamenguista
já se desfez do cinto, da pochete, dos óculos, do boné, do chaveiro... Essas
portas, quando cismam de implicar com alguém, sai de baixo.
Enquanto rola o desagradável strip tease
ali na entrada, o cara de fuinha da mesa três gira e gira a caneta entre os
dedos, olhos pregados no computador; não atende ninguém, nem o telefone que
berra feito uma sirene.
Continuo pensando no monte de coisas
que poderia estar fazendo em casa: batendo um bolo de chocolate, garatujando
idiossincrasias crônicas, desejando corpos juvenis que gratuita e excitantemente
se despem no X, acompanhando na Globonews a quantas anda o tarifaço que aquele
mentecapto nortista-alaranjado nos impôs... Continuo, pois, pensando essas
coisas quando duas mulheres sentam ao meu lado.
— Ai, Senhor, onde enfiei aquela desgrama?
— Será que perdeu?
— Nem fala uma coisa dessa. Em nome
de Jesus, eu vou achar!
Desesperada, remexe mais no fundo da
bolsa. Talvez procure um documento que também carece de carimbo, penso.
— Pra tudo tem solução nessa vida.
Quer dizer, nem tudo. Cê não vê esse rolo aí com o Trump?
— Hein?
— Uai, cê não tá acompanhando na
internet essa crise das tarifas não?
— Misericórdia, menina, que
perturbação. No grupo da família só falam disso.
— Agora a gente afunda de vez.
— Pois é. Meu pastor postou no story
assim: eu avisei que esse Lula era coisa ruim.
—
Cê acha que é culpa dele?
— Uai, e num é? Você viu aquele
vídeo dele descendo a lenha nos Estados Unidos? Gravaram no encontro que ele
participou dia desses aí. Foi se meter com país poderoso, agora a gente paga o
preço.
— Eu vi no zap que o país nem vende
tanto pros Estados Unidos assim...
— Fake, menina, tudo fake. Meu
pastor falou que somos, sim, muito dependentes do dólar, e que não se mede
força com gente igual o Trump, não.
— É, isso é verdade. Quem somos nós
na fila do pão, né?
— Essa petralhada, se bobear, vai
afundar de vez com o país. Misericórdia, é o que eles querem. Por isso, hoje à
noite, a comunidade vai entrar em vigília. Meu pastor disse que a gente não pode
arredar pé da igreja até o Lula voltar atrás e pedir desculpas pro Trump.
— Minha chefe tava comentando mais
cedo que o problema nem é econômico. Diz ela que é um negócio ideológico porque
tão querendo interferir no julgamento do Bolsonaro.
— E tem que interferir mesmo. Onde
já se viu o que tão fazendo com nosso presidente? Desde que começou esse
processo, meu pastor tem alertado a gente. Diz ele que aquele processo é tudo
uma palhaçada.
—
Também acho. Tão perseguindo um cidadão de bem que tem coragem de falar o que
pensa e não se curva pros ímpios. Aqui quem é honesto e trabalhador, decente e justo,
é sempre perseguido. Sempre foi, mas agora, nessa ditadura esquerdista que tamo
vivendo, a perseguição virou política.
—
Mas Jesus tá vendo essa perturbação toda e não vai deixar impune não... Ó,
achei o cartão! Menina do céu, eu já tava desesperada achando que tinha perdido
esse trem.
Enquanto aqui ao lado se comemora o
achamento do cartão, os algarismos vermelho-comunistas no painel me convocam pra
outro encontro com o gerente.
foto: acervo do autor
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Melhor ouvir certas coisas do que ser surdo. Vai que dá uma boa crônica, como essa.
ResponderExcluir