Viu nas redes sociais que está em cartaz o novo longa dos Caça-Fantasmas. Nessas horas servem pra alguma coisa útil, essas redes... Pensando assim, tratou de pedir a conta no restaurante. Como estava de bobeira à tarde, resolveu conferir o filme.
Pessoas
passavam apressadas com sacolas e pacotes, adolescentes uniformizados zoavam
uns aos outros, carros buzinavam no engarrafamento. À sombra, ele aguardava o
Uber, pensando que, em tempos não tão distantes, bastava atravessar a Rio
Branco para encontrar um cineminha. Ali mesmo, na esquina da Halfeld com a
Batista, assistiu a bons filmes: O Discurso do Rei, Star Trek: Além da
Escuridão, Os Senhores da Guerra, e tantos títulos que não se lembra mais. Sempre
no meio da tarde, tendo por companhia a Coca e as pipocas... Ah, só quem
escapou da vida ordinária no meio de uma tarde e se refugiou nos braços de uma
poltrona de uma sala quase vazia conhece bem o que é felicidade. Mas, hoje em
dia os cinemas de rua desapareceram, sucumbiram ao império dos shopping
centers.
Saudoso daquelas tardes, tornou a olhar o
celular: motorista a caminho. Claro que bater perna no shopping no meio da
tarde tem lá seus encantos. A juventude zanza entusiasmada pelas escadas
rolantes; as lojas estão às moscas; compra-se o sorvete, o lanche, o ingresso
sem precisar enfrentar fila. Mesmo assim, os cinemas à beira da calçada com
seus cartazes e letreiros a disputar a atenção dos transeuntes são
insubstituíveis, pensou, deixando a brisa outonal levar outro suspiro.
***
No
balcão, a atendente responde com enfado ao seu boa-tarde: não pode deixar, um
instante sequer, de checar as novidades no smartphone. “Perder meu precioso
tempo emitindo um ticket? Ah, este sujeito bem que podia me poupar desse
esforço, né? Instalaram o terminal de autoatendimento ali, perto da porta, pra
quê?”
Ele
percebeu os pensamentos chispando dos olhos castanhos de Olímpia. Como sabe seu
nome? Ora, nosso personagem, além de saudosista, é muito observador. E
observando, leu o crachá pendurado em seu pescoço por uma cordinha de náilon
vermelho.
Olímpia
não sabe, mas ele é daqueles que prefere o tête-à-tête. Afinal, de encontros
assim pode surgir inspiração para um personagem ou, quiçá, o amor pode voltar a
brotar em seu peito empedernido.
“Escolhe
a poltrona”, ela ordena, a mão agarrando o mouse, o olhar naufragado no monitor.
Forçando
a vista, ele aponta a M111. Enquanto aguarda a emissão do ticket, acompanha os
longos dedos de Olímpia a agredir o teclado, as unhas recém pintadas de carmim,
a pulseira de prata relando o MDF do balcão, a pequenina cicatriz no punho direito.
“Até
que é bonitinha, essa menina”, conclui, enlevado. Ela larga o ticket e o indefectível “obrigado e
bom filme” no balcão.
“Nunca
entendi por que essa gente deseja ‘bom filme’, assim como os bilheteiros de
teatro desejam ‘bom espetáculo’. Quem pode fazer do filme ou da peça um evento
bom, espetacular ou uma bosta é o diretor, o elenco, não o espectador”, ele vai
pensando, sem muita convicção, a caminho do banheiro.
***
No
canto, um garoto mija rindo para o celular em sua mão.
— Há
que ponto chega o vício dessa geração, ele resmunga.
O
garoto passa por ele, os olhos ainda grudados na tela. “É, as coisas mudaram
mesmo: no meu tempo, a molecada não saía de um banheiro sem antes se olhar no
espelho, ajeitar o cabelo...” Seus pensamentos, contudo, são interrompidos por
um grupo de adolescentes que acaba de entrar. O de moletom faz trocadilhos de
cunho sexual, os outros riem se dispersando pelos mictórios. O de boné cospe o
chiclete na louça, solta um “caralho, mais um pouco e eu mijava na calça.” As gargalhadas
ecoam com mais força entre os azulejos.
Diante
do espelho, ele alisa o que restou dos cabelos, saudoso da adolescência, de
quando saía em turma pela tarde afora caçando um cineminha a preço camarada.
***
Para
satisfazer a curiosidade do cinéfilo leitor, Ghost Busters: Apocalipse de
Gelo cumpre o que promete. Entretém com toques de nostalgia, trazendo personagens
e atores da franquia dos anos 1980; a fotografia é clara, à moda antiga, bem ao
contrário das produções atuais que estão cada vez mais soturnas. Comparado
também com os novos filmes, é um roteiro curto: 114 minutos. Embora o excesso
de personagens comprometa sua dinâmica, o enredo desenvolve bem a estória.
Enfim, diverte. Se o cronista fosse igual ao bonequinho d’O Globo aplaudiria,
contudo, sentado.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor