A
serra branquejava no meio da tarde. Sem entender o que se passava, o menino
ajeitou os óculos e perguntou: cadê a serra. Quando criança também fiz tal
pergunta. Me disseram: toda vez que chove lá na serra, ela fica branquinha e a
chuva chega aqui pouco depois. Repeti essa explicação ao menino. Mas acho que
não o convenci, a julgar pela sua cara. Incrédulo – ou me achando um bobalhão –
foi jogar no celular.
A
chuva chegou precedida da brisa úmida. Lembrei os tempos de escola: quando as
nuvens se avolumavam e o vento balançava as palmeiras do pátio, o sino batia.
Todo mundo era, então, liberado. Saíamos correndo, feito mulas desembestadas,
pelas ruas, atravessando os trilhos da Rede, a pracinha, a ponte, torcendo para
chegar a casa antes do toró desabar.
Toró.
Há quanto tempo não ouço essa palavra. “Vai cair o maior toró”, assim dizia a
vizinha do 92 que vivia sentada à porta. Quando os primeiros pingos caíam na
rua de terra batida, ela corria para recolher as roupas do varal. Na calçada a
cadeira, esquecida, suportava o toró.
Quando
a chuva chegou, eu estava sentado na varanda. Rápida e furiosa, molhou minhas
pernas, respingou as folhas do livro que eu lia. Tive que correr para recolher
as roupas no varal. Ironia do destino, hoje sou eu quem se preocupa com as
roupas no varal. Também me apressei para fechar as janelas. Finda a missão doméstica,
fui para o quarto concluir a leitura de “A águia de quinze dólares”. Pela
fresta da janela, vi as nuvens carregadas: hoje não vou caminhar na Dr. Lelé.
Pensei também na tatuagem que o personagem do conto da Sylvia Plath mandou
fazer no braço. Nunca tive vontade de me tatuar. A vida deixa marcas demais,
não preciso tatuar águias, nomes e corações ingênuos.
O
tempo fechou. Pela fresta da janela, eu filosofava. Filosofia de alcova,
literalmente. A chuva forte atrapalhou
os feirantes que armaram barracas na praça. Coitados, na quarta passada também
choveu... se criaram expectativas de impulsionar as vendas para a ceia do Natal,
se frustraram.
Chove
muito forte. Sinto fome. Na cozinha, me arrependo de não ter comprado um chocotone
maior. O que comprei ontem à tarde já se transmutou em calorias e saudade. O
estômago ronca querendo aparecer para os trovões. Competição vã, tento lhe
explicar. Mas meu estômago não se alimenta de palavras tolas. Uma banana,
então, para enganá-lo. Pela fresta da
janela, observo a enxurrada cobrindo as ruas, a praça, passando sob as
barracas. O verão começou chuvoso esse ano.
Foto: Bento Gonçalves (acervo do autor)
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