domingo, 17 de janeiro de 2021

A PRAÇA É DO POVO?


Tornaram a fechar a praça. À noite, enquanto eu compunha um poema, vi pela janela as cercas metálicas instaladas no entorno da Praça 28. Pela manhã, as boas e as más línguas comentavam a novidade no Facebook (essa acrópole do mundo contemporâneo). Provavelmente a nova administração também a divulgou em suas redes, sobretudo nos stories (essa mania nacional). Há tempos somos governados, do Planalto aos Paços Municipais, através de posts e twittadas.

Vieram-me à lembrança os versos de Castro Alves: A praça é do povo/Como o céu é do condor. Em tempos de peste, contudo, a praça deixa de ser do povo conforme os interesses do vírus e de nossos doutos gestores. Verdade verdadeira: nada é do povo porque, se se olhar direitinho, o povo sequer existe. Povo é abstração. Ficção político-jurídica. Povo é palavra qualquer a rolar na boca de mal intencionados, políticos e hipócritas de palanque. Tal palavra ganha corpo somente para satisfazer interesses obscuros de grupos que se revezam no poder. Por isso, nos discursos dessa gente o povo é sempre os outros; ela nunca se inclui nesse rol porque precisa estar acima do povo para, como César, ver e conquistar. Foi assim também na França de Napoleão, no Reich de Hitler, na Cuba de Fidel, nas republiquetas de banana das Américas.

Mas, voltemos à Praça 28. Voltemos em pensamento, claro. Porque a praça, esse “antro onde a liberdade/cria águias em seu calor”, está cercada e protegida como a Mona Lisa no Louvre. Distante e sedutora, como o paraíso do Sr. Roarke do seriado A Ilha da Fantasia. Inacessível, como a ambrosia do Olimpo. A praça, de novo, não é mais do povo. “Desgraçada a populaça/Só tem a rua seu”. Donde estiver, me diga, Sr. Castro Alves: quando a praça foi do povo?




Texto: Raphael Cerqueira Silva 

foto: Praça 28 de Setembro, Visconde do Rio Branco (acervo do autor) 

2 comentários:

Outra vez no cinema

            Viu nas redes sociais que está em cartaz o novo longa dos Caça-Fantasmas. Nessas horas servem pra alguma coisa útil, essas redes...