Só, o papa reza.
Na praça, chuva e silêncio.
Criaturas inquietas repensam
tantos projetos, outros sonhos
sob a cama.
Ouçamos o vento outonal:
traz súplicas e esperança.
Em
27 de março de 2020, o Papa Francisco rezou sozinho na Praça São Pedro em razão
da pandemia da COVID-19. Segundo os sites e jornais, foi um ato inédito na
história da Igreja.
Quando
a pandemia oficialmente começou por aqui, dias antes do ato papal, me propus a escrever
um poema por dia enquanto ela durasse... Tolo, pensei que a peste seria abatida
em poucos meses... na minha ingenuidade, duraria uns cem dias. Todo dia, então,
eu escrevia um poema. “O Papa está só” foi o oitavo.
Porém,
à medida que o tempo passava, minguava a inspiração. Contabilizei pouco mais de
noventa poemas no contexto de isolamento. Para não me tornar repetitivo e enfadonho,
me refugiei na prosa. A crônica foi a forma que encontrei para falar sobre a peste,
a pandemia, o home-office, o isolamento, as (des)informações, as indecisões das
autoridades... Às vezes surgia um verso aqui, outro ali, mas foram lumes que se
apagaram rapidamente.
Toda
noite, ao deitar, eu tinha (e ainda tenho) a impressão que haviam soltado no
mundo o grande Leviatã. E, inexplicavelmente, o monstro se fortalecia a cada
dia, arrasando vidas e sonhos, angustiando e deprimindo... assim, atravessamos
o ano navegando em águas turvas, desolados como as almas na barca de Caronte.
Escrevo
este texto em 28 de março de 2021, Domingo de Ramos. Ainda não há o mínimo
indício de luz no fim desse túnel. Faltam-me versos. Por outro lado, abundam
tristezas e angústias mundo afora. Segundo o Dr. Dráuzio Varela (Folha de SP de
hoje), à deriva, “só podemos contar com nós mesmos”. Resta-nos, assim, rezar. Como
o Papa, no frio da solidão.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
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