A caminhada, curta, tradicionalmente começava cedo. Pessoas apressadas passavam por minha porta: vinham do morro, das ruas sem calçamento. Nas fervorosas mãos, ramos de coqueiros e palmeiras, terços e velas. Alguns levavam o "Deus Conosco".
Concentrado na pracinha, o grupo disputava as poucas sombras enquanto meninos levados corriam no gramado e se penduravam no busto do Dr.Oswaldo. Por volta das oito da manhã, lentamente, os fiéis iniciaram a caminhada.
Paralelas aos vagões da ferrovia, domingueiramente vazios e ociosos, vozes uníssonas ecoavam cânticos de fé entremeados com pais-nossos e ave-marias.
A marcha seguia rumo para a matriz, àquela hora já adornada de ramos. Na escadaria, o pároco e seus acólitos aguardavam a procissão.
A caminhada seguia, preenchendo de fé e devoção a rua. Conhecida e afinada voz puxava o coro: hosanas e vivas ao Senhor. Impassível, o lume das velas resistia à brisa matutina que, em vão, tentava amenizar o calor.
As crianças queriam andar mais rápido: já se viam sentadas no frescor da igreja, abrigadas do sol forte, entretendo-se com as palmas bentas afixadas nos bancos e no altar.
Quase não se via a serra, ainda ontem verdejante: nuvens baixas a encobriram, anunciando chuva. "Também pudera, com o calor fora do normal desta santa manhã", a mulher de coque comentou em voz baixa para a comadre que, a sua frente, apenas meneou a cabeça para não se perder no salve-rainha.
Súbito, o vento passou pela procissão, apagando velas, derrubando ramos, assustando os pequenos. Inabalável, a fé manteve as orações.
O séquito passou em frente à sede do sindicato da RFFSA, ao bar do Hebinho (onde eu sempre me deliciava com o pastel de queijo e a Coca geladinha), dobrou à esquerda passando diante do antigo cinema, subiu a escadaria da igreja saudado pelos sinos e os primeiros pingos da chuva.
Em instantes, a missa de Ramos começou.
Texro: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor (São Geraldo, MG)
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