quinta-feira, 12 de agosto de 2021

AOS POUCOS, FICAMOS ÓRFÃOS

O dia amanheceu ensolarado. Quem diria que depois da ventania de ontem à noite, a manhã se derramaria amena. Aos poucos, o sol tomava para si as cerâmicas da varanda. Não liguei o televisor - raramente o faço pela manhã -, também não corri os olhos pelas redes sociais; respondi apenas duas mensagens desnecessárias no WhatsApp. Sentei-me à sala para reler O Morro dos Ventos Uivantes. Entre um parágrafo e outro, minha mente retornava aos desencontros e atropelos burocráticos de ontem...

Os sinos das igrejas anunciavam o meio do dia quando cheguei ao trabalho. Enquanto esperava o computador ligar, uma colega comentou comigo: Tarcísio Meira faleceu. Comentou porque sabe que sou noveleiro. Embora eu já soubesse que o Tarcisão estava internado e entubado por complicações decorrentes da COVID-19, a gente sempre nutre um cadinho de esperança...

A tarde passou, arrastada como sempre. Mais do mesmo, como diria minha professora: mais burocracia, mais negacionismo, mais falácias, mais prazos vencidos para certificar, mais audiências para redesignar, mais biscoitos para roer na hora do café... a gente se acostuma. O jogo é sempre o mesmo e este reles peão já entendeu: é mera e dispensável peça no tabuleiro. A gente se acostuma. Mas não devia, como diz aquela crônica da Marina Colasanti.

Sem acesso à internet, não pude checar as notícias sobre a partida do Tarcísio, que marcou gerações de noveleiros com seu carisma, seu talento, seu charme, seu jeitão próprio de dar vida a personagens tão diferentes entre si... foi mocinho, jagunço, político corrupto, vampiro, empresário, lorde britânico, vilão, filho, pai e avô. Tarcísio é daqueles atores que, mesmo calado em cena, captura nossa atenção só com o olhar ou o sorriso. Enquanto escrevo esta crônica, me vem à memória a minissérie A Muralha. Tarcisão vivia o asqueroso e inesquecível Dom Jerônimo; para mim, um de seus melhores momentos na telinha. 

Tarcísio Meira vai fazer falta. Muita falta. E acho que, nesse caso, a gente não se acostuma. Ainda bem que temos o Youtube e o Globoplay para podermos rever grandes momentos da nossa teledramaturgia. Ontem mesmo à noite, enquanto o vento açoitava a janela do quarto e eu tentava desanuviar os pensamentos, assisti a mais um capítulo de A Favorita, onde Tarcísio disputou com Mauro Mendonça o amor de Glória Menezes. 

Aos poucos, a televisão e, consequentemente, os telespectadores vamos ficando órfãos dos grandes atores. Quem diria que um dia que nasceu tão reluzente fosse terminar enlutado. Esse ano, assim como o passado, não está sendo fácil.

 

Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor

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