As crianças jogam na sala, cada uma com seu celular. O tempo ainda não está firme; a brisa brinca na janela, acho que, de novo, não caminharei na rua. Maritacas na copa da mangueira azucrinam a manhã.
As crianças jogam jogos de guerra, de “lutinha” como chamavam no meu tempo de menino. Há pombos zanzando na laje: ouço-os desde ontem. Olho a pilha de revistinhas ao lado da mesa; comprei-as durante a semana, ainda não li nenhuma. Quando tinha a idade das crianças que jogam na sala, eu devorava todas as revistinhas em um só dia, e relia-as várias vezes até ganhar novas. Naquele tempo, tenho certeza, meus dias tinham bem mais que vinte e quatro horas...
Na sala, as crianças jogam e “tão nem aí” para o Fantasma, o Superman, os Novos Titãs, o Chico Bento, o Mickey, o Tex que, largados na mesa, me encaram. O Superpato já até me deu o ultimato: larga esse palavrório besta aí ou te lanço um raio paralisante com esta nova invenção do Professor Pardal. Eu rio sem, contudo, largar o lápis; penso nas crianças sentadas no sofá: certamente desconhecem o herói patopolense – aliás, sequer desconfiam onde se localiza Patópolis... na idade delas, era para lá que eu viajava.
As crianças jogam, eu garatujo bobagens nesta manhã de domingo. Quando eu tinha a idade das crianças que jogam na sala, aguardava os domingos para ler as tirinhas d’O Globinho. Sentado na calçada ou de pé à janela, eu esperava ansiosamente pelo Washington da Banca. Ele vinha pela rua silenciosa, os jornais sempre empilhados na garupa da bicicleta, trazendo para mim as novas aventuras do Calvin e do Hagar... As crianças que jogam na sala também devem desconhecer quem são estes personagens. Quando menino, eu dizia: não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe. Será que as crianças ainda falam assim, pergunto para a pilha de revistinhas. Emudecidos, meus heróis apenas me encaram.
Sentadas no sofá, imersas nos jogos eletrônicos, as crianças, acho, sequer deram conta que o tempo ainda não firmou, que maritacas na copa da mangueira azucrinam a manhã, que os pombos passeiam na laje. E que, nostálgico, eu as observo, e recordo minha meninice.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
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