Os leitores que me seguem sabem: nos dias livres, saio a caminhar pela avenida. Quando possível, fotografo: gosto de eternizar as flores que insistem em brotar no meio de tanto concreto, a revoada das maritacas, tucanos nos fios elétricos, corujinhas nos barrancos pelados, as árvores que resistem ao Capital... Por outro lado, nos dias chamados úteis, preso aos grilhões da burocracia, resta-me apenas sonhar. Digitando números e cumprindo despachos, sonho com as tardes de sábado e domingo, com os feriados e suas emendas.
Ontem, porém, não pude flanar: um circo atrapalhou minha passagem. Ergueram na avenida, atabalhoadamente, toldos e lonas pavorosos, cuja serventia era só ofuscar o poente. Em torno, balões de cores berrantes; desesperado, um azul, meio murcho, pulou da ponte: preferiu se afogar nas águas esquecidas do Xopotó. No picadeiro asfáltico, a trupe pouco se importou com o destino do balãozinho: ensaiava pantomimas de gosto duvidoso.
Eu ia pela travessa, fazendo dueto com Zé Ramalho. Na calçada enlodada, estaquei; levei incontinenti a mão no bolso, resgatei minha preciosa máscara. Atravesso a rua ou não, passo ou não passo no meio da turba? Uma maritaca na copa do coqueiro zombou de minhas inquietudes. Sem resposta, encarei o povo, que dançava como bruxas bêbedas ao luar. Vi acrobatas, malabaristas, homens-fera, mulheres barbadas, ilusionistas, contorcionistas, palhaços – muitos palhaços. Enfim, matinê para espectador nenhum botar defeito. Mudo minha rota? Dos fones ecoou o refrão: povo marcado, eh!/ povo feliz!
O circo venceu. Dei meia volta, desisti de caminhar. Subi a Raul Soares, contrariado: céu azulíssimo de primavera, sol cândido, brisa estimulante... tudo desperdiçado por conta daqueles saltimbancos duma figa. Se ainda fossem renomados ou originais, vá lá. Mas era um cirquinho pobre de marré deci... nem bicho tinha, afora os bovinos insanos e toscos que ainda não se libertaram da canga, embora se achem estrelas talentosíssimas. Não assisto a espetáculos assim nem se me pagarem em barras de ouro que, segundo Sílvio Santos, valem mais que dinheiro.
Hoje pela manhã uma maritaca me contou: haverá matinê de novo. Contou e voou para a copa da mangueira. Fiquei a olhar o céu nublado... Amanhã me acorrentarei novamente; sonharei com o próximo fim de semana. Enfim, c’est la vie.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
Nenhum comentário:
Postar um comentário