domingo, 5 de junho de 2022

REPÓRTER MIRIM


— Sol ou chuva? 

— Chuva e frio. 

— Não pode, padrinho. Só sol ou só chuva. 

— Só chuva.

— Mulher bonita? 

— Sua mãe.

— Ih, o pai não vai gostar de ler isso... 

— Ele vai ler? 

— Uai, padrinho, é jornal que eu tô fazendo. Todo mundo vai ler. 

— Todo mundo, quem? 

— A tia da escola, a mãe, o pai, o vô. E todo mundo que parar pra ler as entrevistas coladas no mural da escola.  

— Então, apaga. Escreve Yoná Magalhães. 

— Quem? 

— Uma atriz já falecida.

— Ô, padrinho, tem que ser gente viva... Posso botar o nome da madrinha?

— Não. 

— Por quê?

— Tô brigado com ela. 

— Por quê? 

— Essa pergunta está na entrevista? 

— Não. 

— Avante!

— Como?

— Próxima pergunta, menino.

— O senhor ainda não disse o nome. 

— Que nome? 

— Da mulher bonita. 

— Ah, bota aí Vera Fisher, Luíza Brunet, Maitê Proença... Qualquer nome serve. 

— Padrinho, a entrevista é séria. 

— Paola Oliveira, pronto. 

— Homem charmoso? 

— Uai, bonito não? 

— A tia disse pra falar charmoso, se não os entrevistados não vão responder. 

— Por quê? 

— Porque homem não acha homem bonito, né. 

— É... Escreve Cauã Reymond. 

— Desenho animado? 

— Papa-Léguas.

— Desenho velho não vale.

— Aquele que você fez na parede, então.

— Não fiz desenho animado, fiz arte. A tia mandou a gente imitar o Kobra. 

— E por que não fizeram arte na parede dela? 

— Porque ela mora longe. 

— Ah, e os “artistas” não podem andar? 

— Vou escrever o quê, hein? 

— Ah, bota Pica-Pau. 

— Cantor preferido? 

— O rei Roberto Carlos.

— Posso colocar essa resposta na outra pergunta? 

— Por quê? 

— Porque a outra pergunta é: se você fosse morar num reino encantado, seria o reino de quem?

— Esse rei que falei é rei da música, não de um reino...

— Ih, padrinho, não complica. É papo reto, sacou?

— Como?

— Super-herói preferido? 

— Superhomem. 

— Ô, padrinho, é Superman. Mania de velho falar errado.  Livro preferido? 

— Não sou muito de ler, não. 

— Fala qualquer um, menos a Bíblia. 

— Por quê? 

— Porque todos os entrevistados responderam esse. 

— Quem você já entrevistou? 

— Não digo. 

— Ora, por quê? 

— Porque um repórter guarda o segredo das fontes. 

— Quem te disse isso, menino? 

— A tia da escola. 

— Essa tia não tem nada melhor pra ensinar, não? 

— Por quê? 

— No meu tempo, a gente tinha tarefa de aritmética, fazia conta no ábaco, decorava as capitais, copiava texto no caderno brochurão...

— O velho de novo.

— Olha aqui, seu moleque...

— Calma, padrinho, é só o nome dum livro que lembrei agora. 

— Quem escreveu essa marmota? 

— Pedro Paulo Pereira do Prado Penteado. 

— Por isso não gosto de ler. 

— Artista? 

— Pintor, escultor, compositor?

— Qualquer um. 

— Da Vinci. 

— Vinte, não. É um nome só.  

— Leonardo da Vinci. 

— Ator preferido? 

— Vivo ou morto? 

— Vivo, padrinho, vivo. Se não ninguém da escola vai saber quem é. 

— Tony Ramos. 

— É estrangeiro? 

— Não.

— Quero estrangeiro. 

— Por quê? 

— Porque é chique escrever nome estrangeiro. 

— E você sabe escrever estrangeiro?  

— E-s-t-r-a-n... hum, é com g ou j? 

— Te peguei. Eu quis dizer escrever o nome do ator estrangeiro. 

— O padrinho também tem dúvida? 

— Arnold Schwarzenegger. 

— Não... Estrangeiro é com g ou j? 

— Próxima pergunta, vai. 

— Não sabe, não sabe.

— Isso é trabalho de Português, por acaso? 

— Já foi em Portugal? 

— Não, por quê? 

— Tem uma pergunta aqui que é: qual país já visitou? 

— Paraguai. 

— Foi fazer o quê lá? 

— A tia quer saber isso também? 

— O repórter vai além da pauta do editor.

— Sei... Essa entrevista não tem fim? 

— Tem, tá acabando. Foi fazer o quê, lá? 

— Lá onde, menino? 

— No Paraguai. 

— Fui comprar cigarro, aparelho de som, televisão e videocassete. 

— Video o quê? 

— Um aparelho que a gente usava pra ver filme. 

— Não tinha dessas coisas aqui na cidade? 

— Eu revendia no consórcio.

— Como assim? 

— Próxima pergunta. 

— Atriz preferida? 

— Julia Roberts. 

— Pode ser brasileira mesmo. 

— Ô, menino, decide. 

— Escritor? 

— Paulo Coelho. 

— O padrinho já leu ele? 

— Não, mas minha filha vive lendo. 

— Música preferida? 

— Tente outra vez. 

— É sério, padrinho. Música?  

— Falando sério. 

— Ô, mãe, o padrinho tá me trolando! 

— Vamo embora, filho. 

— Falta só uma pergunta, mãe.

— Anda, seu padrinho quer ver a novela.  

— Se um ET descesse no quintal e dissesse: faça-me um pedido, o que você pediria?

— Que levasse todos os meninos perguntadores pro espaço. 

— Ô, mãe, o padrinho tá copiando a resposta do vô! 




Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor


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