Eu estava sentado ali, no
bar, tomando minha Coca, comendo os pastéis absurdamente engordurados – e, por
isso, absurdamente gostosos – que só o Caô sabe fazer.
As meninas dançavam
uns pagodinhos antigos, os rapazes, entusiasmados, castigavam os pandeiros
e as mesas que, àquela altura, viravam um instrumento qualquer. Na quadra ao
lado, a molecada jogava peteca. E, vez ou outra, aquela merda caía perto de
mim.
_ Tá com a mão torta, moleque?
Perguntei prum gordinho que veio
correndo buscar a peteca. Ele enrubesceu; não sei se pelo esforço da corrida, ou
pelo o que eu falei. Também não me importei: o importante eram as meninas se
requebrando.
A tarde ia assim, harmônica
e prazerosa, quando Petronílio chegou.
Fumando feito uma maria-fumaça, puxou a cadeira, levou a mão peluda no meu
prato.
_ Se quiser pastel, manda fritar pra você. Nos
meus ninguém bole.
Petronílio refreou a mão, abandonou a
binga debaixo da mesa e, trunfando a cara, disse:
_ Pô, hoje nada tá dando certo pra mim.
_ E não vai ser comendo os meus pastéis que
vai melhorar.
Levei mais um de queijo à boca, pensei: “Tanta
gente pra esse homem atazanar, e vem justo em mim. Parece que tenho um ímã que
atrai chatos, puta-que-pariu.”
Loura, ex do Caô, passou, rebolando e
sorrindo, com uma latinha na mão. Seu shortinho microscópico me fez esquecer, por
uns instantes, o chato do Petronílio. Mas, como felicidade de pobre dura
pouco, voltei à sua incômoda presença ao sentir a fedentina doutro cigarro
aceso.
_ Ô, vai fumar esse troço pra lá!
_ Tô vindo agora do banco. Cê não sabe o que
me aconteceu.
_ Sei, não. E, se você não desembuchar, vou
continuar sem saber.
Ele tragou fundo, suspirou fumaça e desalento
em cima da mesa.
_ Diacho, assim meus pasteis vão ficar
fedendo... vai fumar pra lá!
A peteca riscou o ar e as notas da canção,
tirou fino no cabelo da ruivinha, veio rolando até parar, de novo, embaixo da minha
mesa. O gordinho voltou, botando os bofes pra fora.
_ Ô, moleque, avisa lá que se essa peteca cair
aqui de novo, eu vou fazer essa merda em pedacinhos.
De quatro sob a mesa, o gordinho resmungou
qualquer coisa, pegou a peteca, desceu correndo. “Maldita hora que o Caô mandou
fazer essa quadra aí”, resmunguei, de olho na moreninha que entrou, toda
arrebitada, no banheiro.
_ Fui no banco. Tô vindo de lá agora, sabe.
_ Ah é, eu tinha me esquecido que você tava
aí... foi ao banco fazer o quê, outro consignado?
_ Não. Fui receber isto aqui.
E Petronílio tirou do bolso da camisa um cheque
dobrado ao meio.
_ Sem fundos?
_ Sem fundos. Faz tempo, eu emprestei esses quatro
e quinhentos pro Juca Torto, sabe.
_ Mas
como você empresta dinheiro se vive pendurado no consignado?
_ Com o jurinho que o Juca ia pagar, eu pagava
o banco e ainda me sobrava um, sabe.
_ Ah. E agora o cheque voltou?
_ Pra cê ver, a gente ajuda um amigo, e ele
faz uma dessa com a gente.
_ Mas você não fez um negocinho com ele outro
dia? Foi uma moto que ele te vendeu, né?
- Sim. Dei quatorze mil na moto.
- É, lembro que você comentou isso... Eu te falei
que ela não valia isso tudo, mas você não deu ouvidos... Mas, peraí, se ele te
vendeu a moto por quatorze e te deve quatro e pouco, porque você não abateu
isso e pagou só a diferença?
_ Na hora não pensei nisso. Pra falar a
verdade, não pensei que o Juca fosse me fintar. A gente é amigo desde os tempos
da escola, a gente saía junto... foi ele que me levou pela primeira vez lá na
zona...
_ E você vomitou na cama da Darleninha, eu
lembro disso. Falaram na época que foi tanta porcaria que você botou pra fora
que estragou até o colchão da menina...
_ Não foi bem assim, não! O que aconteceu é
que misturei muita bebida, me senti meio mal... E eu tava meio ansioso também,
sabe.
_ Aham.
_ Puxa, vira e mexe aparece um infeliz pra me
lembrar daquela noite...
_ Tem coisa que não se esquece, aliás, que ninguém
esquece.
_ Mas, vamo voltar ao cheque do Juca?
_ Se você quer... Por mim, fico em silêncio ouvindo
a música. Ó só, essa molecada até que toca bem.
_ O cheque
tá sem fundos, sabe. E, segundo o cara lá do banco, provavelmente não vou
receber. Diz ele que o Juca tá devendo na praça, pra todo mundo.
_ Inclusive pro Caô.
_ É?
_ Aham. E o Caô gritou aí outro dia, foi na
hora do jogo, que aqui o Juca Torto não pisa mais. Só se acertar aquele monte
de fiado... passa de mil.
_ Então, não vou receber mesmo?
_ Vai não. Devia ter abatido quando comprou a
moto...
_ Nossa, tô fudido e mal pago. E agora?
_ Agora, come um pastelzinho e aproveita a
paisagem... ó aquela moreninha ali, só no requebro... é isso o que faz a vida
valer a pena.
Foto: acervo do autor
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