sábado, 2 de setembro de 2023

O que faz a vida valer a pena

 

 

Eu estava sentado ali, no bar, tomando minha Coca, comendo os pastéis absurdamente engordurados – e, por isso, absurdamente gostosos – que só o Caô sabe fazer.

As  meninas dançavam uns pagodinhos antigos, os rapazes, entusiasmados, castigavam os pandeiros e as mesas que, àquela altura, viravam um instrumento qualquer. Na quadra ao lado, a molecada jogava peteca. E, vez ou outra, aquela merda caía perto de mim.

_ Tá com a mão torta, moleque?

Perguntei prum gordinho que veio correndo buscar a peteca. Ele enrubesceu; não sei se pelo esforço da corrida, ou pelo o que eu falei. Também não me importei: o importante eram as meninas se requebrando.

A tarde ia assim, harmônica e prazerosa, quando Petronílio chegou. Fumando feito uma maria-fumaça, puxou a cadeira, levou a mão peluda no meu prato. 

_ Se quiser pastel, manda fritar pra você. Nos meus ninguém bole. 

Petronílio refreou a mão, abandonou a binga debaixo da mesa e, trunfando a cara, disse:

_ Pô, hoje nada tá dando certo pra mim. 

_ E não vai ser comendo os meus pastéis que vai melhorar.

Levei mais um de queijo à boca, pensei: “Tanta gente pra esse homem atazanar, e vem justo em mim. Parece que tenho um ímã que atrai chatos, puta-que-pariu.” 

Loura, ex do Caô, passou, rebolando e sorrindo, com uma latinha na mão. Seu shortinho microscópico me fez esquecer, por uns instantes, o chato do Petronílio. Mas, como felicidade de pobre dura pouco, voltei à sua incômoda presença ao sentir a fedentina doutro cigarro aceso. 

_ Ô, vai fumar esse troço pra lá! 

_ Tô vindo agora do banco. Cê não sabe o que me aconteceu. 

_ Sei, não. E, se você não desembuchar, vou continuar sem saber. 

Ele tragou fundo, suspirou fumaça e desalento em cima da mesa. 

_ Diacho, assim meus pasteis vão ficar fedendo... vai fumar pra lá! 

A peteca riscou o ar e as notas da canção, tirou fino no cabelo da ruivinha, veio rolando até parar, de novo, embaixo da minha mesa. O gordinho voltou, botando os bofes pra fora. 

_ Ô, moleque, avisa lá que se essa peteca cair aqui de novo, eu vou fazer essa merda em pedacinhos. 

De quatro sob a mesa, o gordinho resmungou qualquer coisa, pegou a peteca, desceu correndo. “Maldita hora que o Caô mandou fazer essa quadra aí”, resmunguei, de olho na moreninha que entrou, toda arrebitada, no banheiro. 

_ Fui no banco. Tô vindo de lá agora, sabe.

_ Ah é, eu tinha me esquecido que você tava aí... foi ao banco fazer o quê, outro consignado? 

_ Não. Fui receber isto aqui.

E Petronílio tirou do bolso da camisa um cheque dobrado ao meio. 

_ Sem fundos? 

_ Sem fundos. Faz tempo, eu emprestei esses quatro e quinhentos pro Juca Torto, sabe. 

 _ Mas como você empresta dinheiro se vive pendurado no consignado? 

_ Com o jurinho que o Juca ia pagar, eu pagava o banco e ainda me sobrava um, sabe. 

_ Ah. E agora o cheque voltou? 

_ Pra cê ver, a gente ajuda um amigo, e ele faz uma dessa com a gente. 

_ Mas você não fez um negocinho com ele outro dia? Foi uma moto que ele te vendeu, né? 

- Sim. Dei quatorze mil na moto. 

- É, lembro que você comentou isso... Eu te falei que ela não valia isso tudo, mas você não deu ouvidos... Mas, peraí, se ele te vendeu a moto por quatorze e te deve quatro e pouco, porque você não abateu isso e pagou só a diferença? 

_ Na hora não pensei nisso. Pra falar a verdade, não pensei que o Juca fosse me fintar. A gente é amigo desde os tempos da escola, a gente saía junto... foi ele que me levou pela primeira vez lá na zona...

_ E você vomitou na cama da Darleninha, eu lembro disso. Falaram na época que foi tanta porcaria que você botou pra fora que estragou até o colchão da menina...

_ Não foi bem assim, não! O que aconteceu é que misturei muita bebida, me senti meio mal... E eu tava meio ansioso também, sabe.   

_ Aham. 

_ Puxa, vira e mexe aparece um infeliz pra me lembrar daquela noite...  

_ Tem coisa que não se esquece, aliás, que ninguém esquece. 

_ Mas, vamo voltar ao cheque do Juca?

_ Se você quer... Por mim, fico em silêncio ouvindo a música. Ó só, essa molecada até que toca bem.  

 _ O cheque tá sem fundos, sabe. E, segundo o cara lá do banco, provavelmente não vou receber. Diz ele que o Juca tá devendo na praça, pra todo mundo. 

_ Inclusive pro Caô. 

_ É? 

_ Aham. E o Caô gritou aí outro dia, foi na hora do jogo, que aqui o Juca Torto não pisa mais. Só se acertar aquele monte de fiado... passa de mil. 

_  Então, não vou receber mesmo?

_ Vai não. Devia ter abatido quando comprou a moto... 

_ Nossa, tô fudido e mal pago. E agora? 

_ Agora, come um pastelzinho e aproveita a paisagem... ó aquela moreninha ali, só no requebro... é isso o que faz a vida valer a pena. 

 



Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor 

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