domingo, 6 de dezembro de 2020

Coleções

          Somos todos colecionadores. Colecionamos selos, borboletas, cartas e papéis de cartas, fotografias e cartões postais, actions figures, recortes de jornais, experiências, paixões. Sobretudo, lembranças.

_____Em criança, assisti na televisão uma entrevista com o bibliófilo José Mindlin. À noite, a palavra bibliófilo não saía do meu pensamento. Da cama, olhei para a estante: algumas revistinhas, a coleção do Rei Canequinho e dois volumes do Monteiro Lobato. Heróis japoneses tentavam protegê-los das traças e do tempo. Invejei o “Seu” Mindlin... Mas inveja de menino Deus perdoa, como diz o outro.  

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_____Quando Dona Lurdinha comentou que colecionava pedras, eu ri. Achei ridículo. Imaginei sua casa lotada daquelas pedras cinzentas que ficavam entre os dormentes e os trilhos da ferrovia. Ou de pedra britada que caía das carroças e usávamos para marcar o jogo da amarelinha. Dias depois, a professora levou para a aula um estojo de madeira. Dentro, parte de seu acervo. Constatei: o ridículo era eu. Protegidos pela tampa de vidro, entre divisórias de igual tamanho, pedras e minerais variados: quartzo rosa, ametista, opala, amazonita, jaspe vermelho, ágata, turmalina negra, topázio, feldspato, obsidiana azul e outros que não recordo mais. Lembro, todavia, que as pedras da Dona Lurdinha colocaram no chinelo as pedrinhas brancas do parquinho da escola. Naquela manhã, a aula sobre minerais e rochas fez mais sentido.

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_____Vovó partiu quando em mim mudavam o humor, o corpo, a voz. Mudava-me, afinal, o jeito de olhar o mundo. “Foi descansar na eternidade”, disseram. Deixou, a título de herança, um Papai Noel do Paraguai que piscava luzinhas vermelhas nos olhos (alegria de minha meninice) e um monte de dinheiro antigo. Guardara em uma caixa de sabonetes, durante muitos anos, dezenas de cédulas e moedas. Ninguém brigou pela herança. Os réis, cruzeiros, cruzados e cruzados novos estão, desde aquele dia, no cantinho do meu armário, entre os livros e CDs. A caixa de sabonetes, contudo, não resistiu ao tempo. E o Papai Noel não funciona mais, mas adorna com nostalgia, todos os anos, minha mesa na ceia natalina.

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_____Na infância, também fui colecionador. Tive a fase de colecionar figurinhas de chiclete. Todo dia, depois da aula, passava nas vendas e bares para comprar Ping Pong. Trocando as repetidas com os colegas e ganhando muitas no bafinho, completei vários álbuns. Naquele tempo, apenas duas preocupações: completar os álbuns e não engolir o chiclete (grudava nas tripas, diziam). Passei tardes incríveis memorizando a fauna do Pantanal e da Amazônia, as bandeiras e mascotes das seleções que disputavam as copas mundiais de 1990 e 1994, as curiosidades dos Records Guinnes, os nomes de cidades e capitais mundiais.

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_____Na juventude, o pai colecionava chaveiros. Guardou-os em uma caixinha de madeira. Na tampa, escrito dentro de dois corações: EU e ELA. Vez em quando a abria e me deixava mexer nas suas relíquias. Passei a contribuir para o acervo: todo chaveiro que eu ganhava de brinde no comércio ou nas festas de escola guardava na caixinha. Exceto os chaveiros de bonequinhos. Desses arrancava a argola e a correntinha, rapidamente os levava para se enturmar com outros bonecos. Muitos viraram aliados de aventuras dos Comandos em Ação. Pequenos, cabiam perfeitamente na boleia dos caminhõezinhos e nos carrinhos de plástico. Alguns resistiram ao tempo, como o Mickey e o Garfield que, nesse momento, me observam da estante. Certamente zombam dessa minha mania de escrever tolices melancólicas. Quanto à coleção do pai, está perdida em um canto qualquer da casa. Como a nossa juventude.

*crônica publicada originalmente em: revistavicejar.blogspot.com






Texto: Raphael Cerqueira Silva 

Foto: acervo do autor 

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