domingo, 25 de abril de 2021

O caminhão da Coca-cola


   Esfriou na noite passada. Noite desestrelada, escura escuridão. Não pensei que o sol viesse flanar pela manhã... Nos cantos da casa, contudo, há frio e um futum de mofo que ainda não identifiquei suas danadas origens.

    Hoje eu poderia escrever sobre a política e a CPI na Câmara; sobre a economia que, como Sá Marina, vai descendo a rua da ladeira; falar do BBB, das partidas de buraco que sucessivamente perco para os robôs da internet, do Rambo II que assisti pela quinquagésima quarta vez... poderia versejar sobre a lassidão deste abril, talvez comentar as contradições humanas que desfilaram ante meus olhos angustiados durante a semana, ou resenhar sobre a travessia que fiz ao lado de Riobaldo no grande sertão.

   O sol embeleza, mas não acalenta. O caminhão da Coca-Cola parado na rua traz à boca o sabor da infância: pastel de queijo com Coca no bar do Hebinho; pizza com muito catchup e Coca nos sábados à noite; Skiny, Coca e sofá para assistir ao Vale a Pena Ver de Novo; pão com presunto e Coca para merendar no recreio... O caminhão resgata um tempo que, sem querer querendo, atravessei. E, como o grande sertão de Rosa, se perdeu, perdido empoeirado, na memória do meu humano ser. Neste caminho árido e aventuroso, a travessia é dificultosa, de vela e saudade, de choros e alegria....

     Viver é perigoso: diz não diz o vento nas veredas do sertão. Falando em vento, acho que a noite vai ser fria, de novo. 




Texto: Raphael Cerqueira Silva 
Foto: acervo do autor 

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