Os bem-te-vis bailam ao sol, de lá pra
cá, daqui pra lá, harmônicos como as notas de uma valsa. Vez em quando pousam
no gramado do fórum para, em seguida, se dispersarem além do rio, nas ruínas da
usina.
bem-te-vi... bem-te-vi... ecoa na
sala esvaziada por decretos e portarias.
Os bem-te-vis celebram o outono,
indiferentes aos ofícios e alvarás que expeço como um autômato, ao telefone que
macula a tarde com seu trim-trim triste.
bem-te-vi... bem-te-vi... esbanjam o viver, despreocupados
comigo que, largado na cadeira empoeirada, cantarolo “meu rockzinho antigo” a
fim de estrangular a burocracia.
“Ói, ói o trem, vem surgindo de trás
das montanhas azuis, olha o trem...” Canto para uma audiência silenciosa:
grampeadores, impressoras, scanners, computadores, carimbos, para o tucano do
calendário que me fita de um jeito cínico. Minha voz ricocheteia nas paredes: me
dou conta que tropeço nalguns versos, e ainda desafino. Talvez a apatia da
audiência venha daí...
Carente de trens e montanhas azuis,
arrasto a tarde entre prazos preclusos e pilhas de urgências, suportando a
incompreensão das canetas... bem-te-vi... ói, ói o trem... bem-te-vi... o
trem... assim, burocraticamente, risco mais um dia no calendário.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
Nenhum comentário:
Postar um comentário