Maio, maio... mês das flores, das mães. Maio, maio... mês do aroma das mexericas a impregnar o moletom e a toalha na mesa da cozinha. Maio, maio... mês da liberdade. Liberdade?! indaga-me o leitor, surpreso. Não o julgo. Afinal, cento e trinta e três anos depois da promulgação da Lei Áurea, não conhecemos a plenitude da palavra liberdade. Infelizmente ainda são utópicos os versos “Liberdade, liberdade!/Abra as asas sobre nós/E que a voz da igualdade/Seja sempre a nossa voz”. O leitor julga-me pessimista, eu sei. Mas os jornais falam que a liberdade inexiste para todos... Outro dia me impressionei ao ver no Fantástico a história da mulher que viveu trinta e oito anos como escrava em Minas Gerais. No G1, notícias semelhantes: carvoeiros mantidos como escravos; migrantes maranhenses em condições precárias no interior de São Paulo; em Olinda, trabalhadores de obra pública mantidos em condição análoga à de escravos... os relatos vêm de várias partes do país.
No silêncio da casa, chupo poncãs e releio “Maio”, crônica de 1911. Lima Barreto recorda seus sete anos, comemorados no Dia da Abolição: “Jamais, na minha vida, vi tanta alegria”. Recorda também a Regente Isabel à janela, os dias de “folgança e satisfação” que se seguiram, com banda de música e “préstitos cívicos”. Pensei: encerradas as comemorações, o que restou? O manto da liberdade, de fato, caiu sobre toda a nação? O leitor e eu sabemos que não foi bem assim. Matutando, enveredei pelas trilhas da história, até me esqueci das mexericas.
Ah, a liberdade... “essa palavra/que o sonho humano alimenta:/que não há ninguém que explique,/e ninguém que não entenda!” como sintetizou Cecília Meireles. Enquanto rumino meus pensamentos, quantos não padecem no cativeiro, lamentando a ausência da liberdade... Nas fazendas e carvoarias, nas usinas de cana e casas de “cidadãos de bem”, quantos à mercê dos desmandos de senhores... É triste pensar que a euforia vivenciada por Lima Barreto e seus contemporâneos foi somente isso, euforia; que aquele fogo ingênuo se apagou como fogo na palha.
O país ainda não entendeu o real sentido da abolição. Por isso, Caetano e Gil insistem na pergunta: as camélias da segunda abolição/cadê elas? A despeito da Constituição, do Código Penal, das regras da OIT parcela do povo vive subjugada a condições degradantes de trabalho, limitada em seu direito fundamental de locomoção.
À janela, apesar da pandemia, vejo muito movimento nas ruas. Regresso, então, aos versos de Cecília: a palavra Liberdade/vive na boca de todos:/quem não a proclama aos gritos,/murmura-a em tímido sopro. O sol de maio não toca igualmente a todos. Olho o firmamento, penso: neste instante quantos brasileiros, presos a infames grilhões, murmuram em sopros tímidos a palavra liberdade... O “Maio” de Lima Barreto me deixou assim, pensativo. É inaceitável que ainda existam pessoas que se apropriam do destino de outras.
As flores e mexericas de maio não acalentam meu espírito. O paciente leitor que me acompanhou até aqui faz outra indagação: isto é uma crônica? Recolho as cascas das poncãs e faço minhas as palavras de Fernando Sabino: crônica é tudo o que a gente chama de crônica. Abro mais a janela; penso se no futuro, todos (sem exceção), poderão comungar no real significado do 13 de maio.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
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