domingo, 16 de maio de 2021

SINOS NO DOMINGO DE MANHÃ

 

         Desnecessariamente os sinos convocam o povo. Desnecessariamente porque quem é de reza irá à missa independentemente de ouvir os sinos. E quem não é de igreja, como eu, não vai levantar cedo no domingo para ir à missa ainda que toquem as trombetas do apocalipse.

         Os sinos da São João Batista me acordam. Resisto. Há frio e notícias desagradáveis lá fora, há os irritantes “bom dia” e vídeos motivacionais chegando no zap zap... Resisto. Não quero levantar. Mas os sinos apocalípticos soam como se estivessem dentro do meu crânio. Acordo de vez.

       Olhando para o teto, vem à minha lembrança a notícia que li, minutos antes de me deitar: Eva Wilma morreu. Jamais me esquecerei de sua atuação brilhante na pele da megera – e ao mesmo tempo engraçadíssima– Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque. A personagem criada por Aguinaldo Silva é, para mim, uma das vilãs mais célebres das telenovelas.

     Os sinos não cessam. Abro a cortina, a claridade paira sobre a Folha de ontem: Raio pode ter provocado a morte de 18 elefantes na Índia. Na foto, alguns animais jazem na mata sob o céu inutilmente azul.

Os sinos bimbalham, já inconvenientes. Vi elefantes de perto, pertinho, no zoo de Brasília, no Beto Carrero e em um circo que arranchou há muitos no parque de exposições (nos tempos que se permitiam animais nos espetáculos). No circo, se se pagasse, a garotada podia montar o bichão cinzento e tirar uma foto. Não paguei, não montei; logo, não tirei a foto. Conclusão cartesiana. Aliás, mais uma das muitas conclusões cartesianas da minha vida... Naquele tempo eu era meio bobo, preferi o pacotão de pipoca. Hoje, bobo inteiro, lamento porque não tirei a foto no circo, e sigo comprando pacotões de pipoca.

         O sol, parece, não vai dar as caras. O vento frio não me deixará sentar à varanda para ler o jornal. Da janela, os blocos de cimento empilhados no pátio da escola mostram que a obra continuará durante a semana. A rua deserta indica que os fiéis estão indiferentes às badaladas dos sinos. Talvez assistam à missa pela internet, talvez leiam o jornal ou lamentem uma foto não tirada noutros tempos... Ou talvez estejam só com frio mesmo.

         


 

 

 Texto: Raphael Cerqueira Silva 

  Foto: acervo do autor

 

 

 

 

 

 

 

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