Leitura puxa leitura, me disse, certa vez, um professor. Vendo-me, como de costume, lendo no pátio da escola, ele parou e explicou: um livro faz referência a outro(s) livro(s) e a filme(s) e a música(s) que, por sua vez, citam outros livros, filmes e músicas... a espiral de referências é infindável e, assim, vamos acumulando repertório, descobrindo novas leituras.
Antigamente, as pessoas faziam listas de futuras leituras; o professor mesmo tinha um caderno enorme, brochurão e capa dura, onde anotava títulos de livros para comprar e de filmes para alugar. Com a internet, penso, ficou mais fácil para os curiosos sairmos em busca das referências. Vejam o que me aconteceu ontem.
Sexta-feira. O Conservatório fechado, a Praça 28 de Setembro - ó milagre! - respeitando o sossego do contribuinte, aproveitei o raro momento de silêncio para ler Ao correr da máquina, crônica de Clarice Lispector escrita em abril de 1971. Depois de discorrer sobre o amor e a verdade, sobre o “dia lindo de outono” e o “homem que veio consertar o toca-discos”, Clarice diz que assistiu ao filme Cada um vive como quer; e arremata: “tinha música e eu chorei”. Rapidamente meu lado curioso se manifestou: opa! preciso ver esse filme que tirou lágrimas de Clarice... Como eu disse, a internet facilita nossa vida: o filme está no Youtube, completo e dublado. Assisti.
Não chorei, como Clarice; é preciso muito mais para me fazer chorar. Contudo, gostei do filme. Jack Nicholson é Robert, um ex-pianista que rompe com o passado e a família, vive um relacionamento fracassado com Rayette, tem um trabalho e relações de amizade que não lhe satisfazem. Enfim, Robert é o típico homem de trinta e poucos anos que arrasta o viver sem saber para onde... e, além de tudo, tem que ouvir de duas garotas, no fim do boliche, que está ficando careca. Acompanhei o drama de Robert, com atenção. O filme termina do jeito que eu gosto: abrupto, inesperado; só dei conta que acabou porque os créditos surgiram na tela.
Como leitura puxa leitura... o filme tem muitas músicas, algumas executadas ao piano; fui pesquisar na internet: Chopin, Bach, Mozart. Adicionei-as à minha playlist: música clássica, ouvi vários escritores dizerem em entrevistas, ajuda na hora de escrever.
De pesquisa em pesquisa, ocupei a noite, que deixou de ser silenciosa: ganhou até trilha sonora. Quem dera o silêncio noturno fosse sempre rompido desse jeito...
No momento em que escrevo esta crônica, penso no livro que comprei na internet, cuja indicação apareceu numa crônica do Drummond. Espero que o carteiro não demore a trazê-lo... Em Compre livro no táxi, o gauche conversa com um taxista que, além de levar e buscar passageiros, exerce o árduo ofício de vender livros.... o árduo aí vai por minha conta, afinal, em um país onde poucos leem - e são as Senhoras Estatísticas que o dizem, não eu – vender livro não deve ser uma atividade muito rentável.
Quando o livro chegar, talvez eu escreva umas linhas; desde já, torço para que o autor faça referências a outro(s) livro(s), filme(s) ou música(s)... e que eu tenha mais noites silenciosas para ler/assistir/ouvir em paz.
Texto: Raphael Cerqueira Silva
Foto: acervo do autor
Belo texto! Realmente, leitura puxa leitura... Eu ainda tenho o hábito de anotar o que pretendo pesquisar, anotei aqui!
ResponderExcluirObrigado.
ExcluirComo sempre um texto bom e agradável de ler. Abraço
ResponderExcluirMuito obrigado pela leitura
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